Por: Ronaldo Moyses
A governança corporativa deixou de ser um luxo para se tornar requisito de sobrevivência de organizações da sociedade civil. ONGs, organizações sociais, associações e fundações que estruturam conselhos atuantes, controles internos e transparência sistemática capturam mais recursos, geram impacto mensurável e reduzem riscos reputacionais. O ambiente regulatório e de financiamento empurra nessa direção. O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil definiu deveres de prestação de contas nas parcerias com o poder público, enquanto órgãos de controle e financiadores privados passaram a exigir padrões comparáveis aos do setor empresarial.
Padrões de governança que funcionam
Boas práticas começam pelo desenho institucional. Estatutos claros, assembleia ativa, diretoria executiva com atribuições definidas, conselho fiscal independente e, quando possível, conselho consultivo que oxigene estratégia e reputação. Códigos de conduta e de integridade ancoram políticas de prevenção a conflitos de interesse, canal de denúncias, segregação de funções e regras de contratação com partes relacionadas. A literatura especializada do IBGC para o terceiro setor recomenda essa arquitetura mínima e o uso de auditoria independente proporcional ao porte da organização, como instrumento de credibilidade perante doadores e parceiros.
A transparência é um ativo. Portais de governança que publiquem estatuto, composição de órgãos, atas essenciais, políticas, plano anual, orçamento, relatórios de atividades e demonstrações financeiras auditadas elevam a confiança de financiadores. Guias de referência de entidades do investimento social privado no Brasil sintetizam que prestação de contas, equidade, responsabilidade e transparência são pilares aplicáveis também às OSCs.
Marco regulatório e accountability nas parcerias
Ao firmar termos de fomento, colaboração ou cooperação com a Administração, a OSC se submete ao regime de prestação de contas e monitoramento definidos na Lei 13.019/2014 e regulamentações associadas. O Manual MROSC do governo federal, publicado em 2025, consolida procedimentos, papéis e boas práticas de gestão e de comprovação de resultados, o que reforça a previsibilidade para organizações bem estruturadas. Órgãos de controle como o TCU vêm produzindo acórdãos e orientações que cobram integridade na gestão de recursos e governança adequada nas entidades parceiras. O recado institucional é claro. Sem governança e evidências, o risco de sanções e glosas aumenta.
Certificações que agregam valor e reputação
Sistemas de certificação ajudam financiadores a separar boas práticas de intenções. O Selo Doar, concedido pelo Instituto Doar, por exemplo, atesta gestão e transparência com base em critérios objetivos e atualizados periodicamente. O processo exige que a organização valide a maioria dos 41 critérios avaliados e renove a certificação anualmente, o que cria disciplina de melhoria contínua e sinaliza maturidade para doadores e empresas. Tendências de reporte e ESG no radar das OSCs A governança de OSCs passa a dialogar com o vocabulário de sustentabilidade empresarial. A União Europeia implementou a CSRD (Corporate Sustainabillity Reporting Directive) com escalonamento de prazos e início de relatórios para amplos grupos de empresas a partir de 2026, o que implica coleta de dados na cadeia de valor. Na prática, parceiros não empresariais que influenciem impactos sociais e ambientais, como OSCs executoras de projetos corporativos, tendem a ser chamados a fornecer métricas e evidências de controles. Em paralelo, os padrões globais do ISSB IFRS S1 e S2, vigentes para períodos iniciados em 2024, e as normas GRI, já traduzidas ao português e com materiais específicos para ONGs, oferecem linguagem comum para relatórios de impacto e riscos. Esse movimento eleva a barra de governança e transparência no terceiro setor e aumenta a compatibilidade com exigências de financiadores internacionais.
Superando o ceticismo do público e de financiadores
Casos de mau uso de recursos alimentaram a percepção de que OSCs carecem de controle. A resposta é profissionalização. Auditoria independente proporcional ao risco, política de gestão de riscos, matriz de indicadores de resultado e governança de projetos com cronogramas, metas e orçamentos auditáveis. A atuação diligente de conselhos fiscais e o acompanhamento por comitês de auditoria ou de compliance reduzem assimetria informacional e blindam a reputação institucional. Órgãos de controle têm cobrado essa evolução, e quem se antecipa acessa fontes de financiamento mais sofisticadas e recorrentes.
Sugestão prática de profissionalização e governança
Primeiro passo. Diagnóstico de governança. Mapear lacunas frente a guias do IBGC e a requisitos do MROSC, atualizar estatuto e regimentos, formalizar papéis e mandatos e instituir avaliação anual da diretoria e dos conselhos. Segundo passo. Políticas essenciais. Código de conduta, conflito de interesses, integridade e patrocínios, doações e patrocínios recebidos, compras e contratações, gestão de voluntariado, proteção de dados e transparência. Terceiro passo. Finanças confiáveis. Rotina de fechamento mensal, conciliações, segregação de funções, orçamento aprovado pelo conselho e auditoria externa quando o porte justificar.
Quarto passo. Relato e certificação. Adotar GRI como referência de reporte de impactos, implementar indicadores de resultado e buscar certificações como o Selo Doar, vinculando a renovação do selo ao ciclo anual de planejamento. Quinto passo. Preparação para ESG de parceiros. Criar trilhas de dados e controles para responder às solicitações de grandes empresas sujeitas a CSRD e a padrões ISSB, com governança de evidências e rastreabilidade.
Composição de órgãos e prevenção a conflitos
A diversidade de perfis no conselho amplia a qualidade de decisão. Experiências bem-sucedidas equilibram membros com visão de impacto e especialistas em finanças, jurídico, compliance e tecnologia. Regras de independência, rodízio e avaliação anual ajudam a mitigar captura e acomodação. Políticas de conflito de interesses e de partes relacionadas devem exigir declaração prévia, registro em ata, afastamento de voto e divulgação no portal de transparência. O conselho fiscal precisa atuar com autonomia e acesso direto à auditoria externa.
Conclusão
Profissionalização e governança sólida mudam a história de uma OSC. Elas reduzem riscos, elevam a transparência, atraem investidores sociais e parceiros corporativos e garantem que cada real doado vire impacto verificável. O marco regulatório brasileiro, os guias de governança e as certificações disponíveis oferecem um roteiro claro. O próximo salto depende de implementação disciplinada, de conselhos atuantes e de relatos de desempenho que conversem com os padrões que o mercado já adota. Quem fizer esse dever de casa ganhará longevidade, credibilidade e escala para transformar realidades.