Por: Ronaldo Moyses
O compliance tradicional, baseado em controles reativos, já não atende às demandas de um mercado volátil. A evolução das tecnologias de análise de dados vem criando ferramentas que permitem prever infrações, identificar padrões de comportamento e adaptar programas de conformidade em tempo real. Este artigo discute a transição do compliance reativo para o compliance preditivo, explorando como a combinação de inteligência artificial (IA) e jurimetria pode ajudar empresas a antecipar riscos, reduzir perdas e orientar decisões estratégicas. São apresentados casos de uso em setores de alto risco, como o financeiro e o imobiliário, e analisados os desafios éticos e de governança que surgem com o uso de algoritmos, especialmente em organizações sediadas ou atuantes em Belo Horizonte.
O termo compliance descreve o conjunto de normas, processos e mecanismos usados para assegurar que a empresa e seus colaboradores operem de acordo com a lei e com os valores corporativos. No Brasil, o tema ganhou força após a Lei n.º 12.846/2013 (Lei da Empresa Limpa), que responsabiliza juridicamente as empresas por atos de corrupção. A partir dessa lei e de outras normativas setoriais, multiplicaram‑se os programas de integridade. Entretanto, muitos desses programas permanecem reativos: respondem após a ocorrência de uma infração ou de um processo administrativo.
A partir de 2019, a coleta maciça de dados e o barateamento do poder computacional abriram espaço para modelos preditivos. O termo compliance preditivo refere‑se ao uso de algoritmos e jurimetria para antecipar comportamentos de risco, sugerir medidas preventivas e apoiar a decisão executiva. Jurimetria, por sua vez, consiste no uso de métodos quantitativos e estatísticos para analisar grandes volumes de informações jurídicas; quando combinada com IA, permite correlacionar jurisprudência, contexto regulatório, dados de mercado e registros internos para estimar resultados e riscos.
O compliance preditivo depende de três componentes principais:
No setor financeiro, bancos digitais utilizam algoritmos para monitorar transações e detectar em tempo real padrões suspeitos de lavagem de dinheiro. Essas ferramentas cruzam dados de transferências e compras com perfis de risco elaborados pelo órgão de compliance, gerando alertas antes que a infração ocorra. Em empresas de desenvolvimento urbano e imobiliário, a jurimetria é usada para projetar a probabilidade de êxito em ações possessórias e ambientais, permitindo um planejamento de riscos no lançamento de novos projetos. É possível, por exemplo, estimar o custo potencial de contencioso trabalhista ou tributário em contratos de incorporação e, assim, refletir esse valor no preço final do empreendimento.
A adoção de IA e jurimetria levanta questões éticas e jurídicas que não podem ser ignoradas. A LGPD impõe bases legais para tratamento de dados pessoais e permite ao titular pedir revisão de decisões automatizadas. Além disso, algoritmos podem perpetuar ou amplificar vieses sociais existentes. Se os dados de treinamento contêm discriminação de gênero ou raça, o modelo pode reproduzir essas injustiças. Portanto, as empresas precisam adotar governança algorítmica, com auditoria independente, validação periódica dos modelos e documentação clara das regras de decisão.
Outro ponto delicado envolve a confiabilidade das fontes. A jurimetria depende de dados públicos como decisões judiciais, que nem sempre estão estruturados. Algumas plataformas cobram por acesso a jurisprudência e podem gerar viés se não forem alimentadas com decisões de todas as instâncias. Há ainda o risco de depreciação de dados: modelos que funcionam bem hoje podem se tornar ineficazes com mudanças regulatórias ou de comportamento.
As empresas podem tirar proveito do ecossistema de inovação local, formado por universidades, incubadoras e parques tecnológicos, para desenvolver e testar soluções de compliance preditivo. A maioria das capitais brasileiras possuem polos de ciência de dados e startups focadas em inteligência artificial, o que facilita parcerias. Para adotar uma abordagem preditiva, recomenda‑se:
Considerações finais
O compliance preditivo representa uma evolução natural dos programas de conformidade, saindo do papel de mera reação a irregularidades para um estado proativo e estratégico. A inteligência artificial e a jurimetria possibilitam essa transformação ao permitir a antecipação de riscos e a tomada de decisão baseada em evidências. Entretanto, para que essa inovação gere valor de maneira sustentável, é essencial incorporar princípios de governança de dados, mitigar vieses e alinhar a tecnologia ao contexto regulatório brasileiro. Para empresas de Belo Horizonte e do restante do país, investir em compliance preditivo é uma oportunidade de fortalecer a reputação, evitar multas e perdas financeiras e se posicionar à frente em um mercado cada vez mais competitivo.