Por: Ronaldo Moyses
A atuação de advocacy das Organizações da Sociedade Civil é parte vital de uma democracia que aprende com a experiência social e corrige rumos com base em evidências. Diferentemente de partidos, as OSCs não disputam votos, mas influenciam a agenda pública, provocam o debate e contribuem para o aprimoramento de políticas. No Brasil, esse papel é juridicamente legítimo, encontra canais institucionais de participação e carrega responsabilidades de transparência e conformidade. O objetivo deste artigo é oferecer um mapa seguro para dirigentes de OSCs, conselheiros, doadores, executivos de empresas parceiras e advogados compreenderem o que é permitido, o que é vedado e como estruturar programas de incidência com governança, mitigando riscos regulatórios e reputacionais.
Marco jurídico e vias institucionais de influência
A pedra angular das parcerias entre Estado e organizações é a Lei 13.019, de 2014, que instituiu o regime jurídico das parcerias voluntárias entre a Administração Pública e as OSCs, com regras de chamamento público, planos de trabalho, metas e prestação de contas. A norma consolidou transparência ativa e mecanismos de controle social nessas relações, reforçando que o diálogo entre governo e sociedade é estruturante e contínuo.
A participação social foi recentemente revigorada no plano federal com a criação do Conselho de Participação Social e do Sistema de Participação Social, por decretos de 2023, reabrindo e institucionalizando mesas de diálogo com entidades representativas. Em paralelo, o Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, o Confoco, teve suas competências e composição atualizadas para qualificar as parcerias e o debate sobre implementação do MROSC. Esses canais formais ampliam a interlocução republicana e dão previsibilidade às agendas de advocacy.
Além das mesas de diálogo, o ordenamento prevê instrumentos processuais para incidência técnica. O amicus curiae, previsto no artigo 138 do Código de Processo Civil e no artigo 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, autoriza a intervenção de entes especializados em causas de relevância para fornecer subsídios qualificados aos julgadores. Essa colaboração, regulada e limitada, é rotineiramente reconhecida pelos tribunais superiores.
No campo da tutela coletiva, a Lei 7.347/1985 permite que associações atuem em defesa de interesses difusos e coletivos por meio de ação civil pública, desde que cumpridos requisitos como constituição prévia e pertinência temática. Trata-se de via poderosa para incidir sobre políticas públicas e corrigir condutas lesivas a direitos coletivos, com disciplina de legitimidade e controles próprios.
O que é permitido e o que é vedado na atuação política
A incidência pública de OSCs abrange campanhas de conscientização, participação em conselhos, produção de notas técnicas, diálogo com parlamentares, atuação como amicus curiae e proposição de ações civis públicas quando cabível. Essas atividades são compatíveis com a natureza não partidária das entidades e se orientam por finalidades estatutárias.
Há, contudo, um limite nítido na seara eleitoral. Desde 2015, por decisão do Supremo Tribunal Federal, e a partir das eleições de 2016 por regulamentação do TSE, as pessoas jurídicas não podem financiar campanhas eleitorais. A vedação alcança qualquer entidade com personalidade jurídica, inclusive OSCs, o que impõe distância das dinâmicas de arrecadação e gasto eleitorais. O apoio financeiro a candidaturas e o uso de recursos institucionais para promoção eleitoral são proibidos.
Outro eixo sensível é a transparência no relacionamento com o poder público. O Brasil discute há anos uma lei geral de lobby. O projeto aprovado na Câmara em 2022 tramita no Senado, com avanços pontuais em 2024 e 2025, mas sem lei federal conclusiva até o momento. Isso não impede a representação legítima de interesses, mas recomenda procedimentos internos de registro de contatos, publicação de agendas e códigos de conduta, alinhados às melhores práticas internacionais e às expectativas de integridade.
Transparência, financiamento e reputação
A governança das OSCs vem sendo crescentemente escrutinada por doadores e órgãos de controle, e o próprio MROSC reforça deveres de transparência ativa nas parcerias, inclusive com publicação de dados essenciais. Em um contexto global de debates sobre financiamento externo à sociedade civil, a recomendação é redobrar a publicidade sobre fontes, valores e finalidades, para blindar a instituição de narrativas de opacidade e para fortalecer a confiança social.
Para entidades beneficentes com imunidades, a conformidade específica exigida por legislação setorial e decretos regulamentares impõe padrões adicionais de prestação de contas e compliance, com possíveis repercussões caso descumpridos. A boa gestão jurídica integra esse mosaico e evita riscos de perda de credenciais e benefícios.
Boas práticas para uma agenda de advocacy segura e eficaz
A primeira prática consiste em governança. Estatutos e regimentos internos devem explicitar finalidades, instâncias de decisão e políticas de integridade. Um código de conduta para advocacy, com diretrizes claras sobre interações com agentes públicos, recebimento de convites e registro de reuniões, confere segurança e padroniza procedimentos.
A segunda prática é a transparência. Políticas públicas de divulgação de projetos, fontes de recursos, relatórios de atividades e posicionamentos permitem escrutínio e mostram alinhamento ao interesse público. Quando houver parceria com o Estado sob o MROSC, o cumprimento estrito das obrigações de transparência ativa e da prestação de contas mitiga assimetrias informacionais e legitima a voz pública da organização.
A terceira prática é a técnica. Notas técnicas, policy papers e memoriais devem basear-se em dados e evidências, citando fontes e demonstrando impacto estimado de propostas regulatórias. Na seara judicial, avaliar estrategicamente a atuação como amicus curiae e, quando necessário, a propositura de ações coletivas, dentro dos requisitos legais, amplia a qualidade do debate e a efetividade da tutela de direitos.
A quarta prática é a cautela eleitoral. Em ciclos de eleição, treinamentos internos devem reforçar o bloqueio absoluto a doações eleitorais por pessoas jurídicas e a vedação ao uso de recursos institucionais para promover candidaturas. Comunicação institucional deve evitar confusão com propaganda eleitoral, mantendo foco em causas e políticas públicas, não em candidaturas.
A quinta prática é a coordenação setorial. A presença organizada em conselhos, audiências e consultas públicas, facilitada por estruturas como o CONFOCO e o Conselho de Participação Social, potencializa resultados e reduz custos de transação, ao mesmo tempo em que amplia accountability.
Conclusão estratégica
A advocacy é a ponte entre a experiência das organizações e a tomada de decisão pública. O Direito brasileiro reconhece essa ponte, desde que bem construída com pilares de finalidade estatutária, transparência, integridade e respeito às balizas eleitorais. O caminho institucional passa por conselhos e mesas de participação, por instrumentos processuais como amicus curiae e ação civil pública, e por parcerias sob o MROSC, cercadas de controles e metas. A escolha consciente dessas vias e a adoção de práticas robustas de governança protegem a reputação, atraem financiadores, qualificam o diálogo com o poder público e entregam impacto social com segurança jurídica. Em última análise, uma cultura de advocacy bem regulada é um ativo democrático e um diferencial competitivo para OSCs que desejam influenciar políticas de forma responsável e eficaz.