Compliance preditivo: como a Inteligência Artificial e a jurimetria antecipam riscos e otimizam decisões

19.11.2025
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O compliance tradicional, baseado em controles reativos, já não atende às demandas de um mercado volátil. A evolução das tecnologias de análise de dados vem criando ferramentas que permitem prever infrações, identificar padrões de comportamento e adaptar programas de conformidade em tempo real. Este artigo discute a transição do compliance reativo para o compliance preditivo, explorando como a combinação de inteligência artificial (IA) e jurimetria pode ajudar empresas a antecipar riscos, reduzir perdas e orientar decisões estratégicas. São apresentados casos de uso em setores de alto risco, como o financeiro e o imobiliário, e analisados os desafios éticos e de governança que surgem com o uso de algoritmos, especialmente em organizações sediadas ou atuantes em Belo Horizonte.

  1. Da reação à previsão: transformações no compliance

O termo compliance descreve o conjunto de normas, processos e mecanismos usados para assegurar que a empresa e seus colaboradores operem de acordo com a lei e com os valores corporativos. No Brasil, o tema ganhou força após a Lei n.º 12.846/2013 (Lei da Empresa Limpa), que responsabiliza juridicamente as empresas por atos de corrupção. A partir dessa lei e de outras normativas setoriais, multiplicaram‑se os programas de integridade. Entretanto, muitos desses programas permanecem reativos: respondem após a ocorrência de uma infração ou de um processo administrativo.

A partir de 2019, a coleta maciça de dados e o barateamento do poder computacional abriram espaço para modelos preditivos. O termo compliance preditivo refere‑se ao uso de algoritmos e jurimetria para antecipar comportamentos de risco, sugerir medidas preventivas e apoiar a decisão executiva. Jurimetria, por sua vez, consiste no uso de métodos quantitativos e estatísticos para analisar grandes volumes de informações jurídicas; quando combinada com IA, permite correlacionar jurisprudência, contexto regulatório, dados de mercado e registros internos para estimar resultados e riscos.

  1. Ferramentas de IA e jurimetria aplicadas ao compliance

O compliance preditivo depende de três componentes principais:

  • Fontes de dados estruturadas e acessíveis: As bases de dados internas (informações contábeis, transações financeiras, controles internos) e externas (jurisprudência, regulações, listas de sanções internacionais) precisam estar organizadas e atualizadas. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impõe limites e exige mecanismos de anonimização.
  • Modelos de IA para detecção de padrões: Redes neurais, algoritmos de machine learning supervisionado e técnicas de aprendizado não supervisionado identificam correlações entre comportamentos e eventos de risco. O desafio é treinar esses modelos com dados balanceados e historicamente representativos.
  • Jurimetria para interpretação e decisão: A análise estatística de dados jurídicos fornece estimativas de tempo de duração de processos, possibilidade de êxito em litígios e tendências jurisprudenciais. Departamentos jurídicos munidos desses indicadores conseguem negociar acordos mais assertivos e definir alocação de recursos.

No setor financeiro, bancos digitais utilizam algoritmos para monitorar transações e detectar em tempo real padrões suspeitos de lavagem de dinheiro. Essas ferramentas cruzam dados de transferências e compras com perfis de risco elaborados pelo órgão de compliance, gerando alertas antes que a infração ocorra. Em empresas de desenvolvimento urbano e imobiliário, a jurimetria é usada para projetar a probabilidade de êxito em ações possessórias e ambientais, permitindo um planejamento de riscos no lançamento de novos projetos. É possível, por exemplo, estimar o custo potencial de contencioso trabalhista ou tributário em contratos de incorporação e, assim, refletir esse valor no preço final do empreendimento.

  1. Exemplos setoriais: financeiro e imobiliário
  • Instituições financeiras: Uma fintech sediada em Belo Horizonte, ao expandir sua carteira de crédito, adotou IA para avaliar perfis de risco com base em dados públicos e comportamento de pagamentos. Com jurimetria, mapeou o tempo médio de tramitação de ações de cobrança no TJMG, permitindo ajustar provisionamentos. Como resultado, reduziu inadimplência e elevou a assertividade dos modelos de concessão de crédito.
  • Construtoras e imobiliárias: Uma incorporadora mineira usou jurimetria para analisar o contencioso trabalhista de seu setor. A empresa identificou que uma mudança na política de terceirização poderia reduzir em 20% o volume de reclamações, economizando recursos. Paralelamente, implementou sistemas de IA para monitorar transações de aluguel e identificar comportamentos que pudessem indicar fraude, evitando prejuízos relacionados a inadimplência.
  • Setor de saúde: Hospitais e clínicas de Belo Horizonte estão experimentando soluções que cruzam dados de pacientes, auditorias internas e decisões judiciais sobre erro médico para prevenir demandas. IA consegue apontar em tempo real procedimentos com maior probabilidade de gerar litígios, orientando treinamentos e revisões de protocolos.
  1. Desafios éticos e de governança algorítmica

A adoção de IA e jurimetria levanta questões éticas e jurídicas que não podem ser ignoradas. A LGPD impõe bases legais para tratamento de dados pessoais e permite ao titular pedir revisão de decisões automatizadas. Além disso, algoritmos podem perpetuar ou amplificar vieses sociais existentes. Se os dados de treinamento contêm discriminação de gênero ou raça, o modelo pode reproduzir essas injustiças. Portanto, as empresas precisam adotar governança algorítmica, com auditoria independente, validação periódica dos modelos e documentação clara das regras de decisão.

Outro ponto delicado envolve a confiabilidade das fontes. A jurimetria depende de dados públicos como decisões judiciais, que nem sempre estão estruturados. Algumas plataformas cobram por acesso a jurisprudência e podem gerar viés se não forem alimentadas com decisões de todas as instâncias. Há ainda o risco de depreciação de dados: modelos que funcionam bem hoje podem se tornar ineficazes com mudanças regulatórias ou de comportamento.

  1. Oportunidades para empresas e recomendações

As empresas podem tirar proveito do ecossistema de inovação local, formado por universidades, incubadoras e parques tecnológicos, para desenvolver e testar soluções de compliance preditivo. A maioria das capitais brasileiras possuem polos de ciência de dados e startups focadas em inteligência artificial, o que facilita parcerias. Para adotar uma abordagem preditiva, recomenda‑se:

  • Criar uma cultura de dados: Investir na qualidade e na governança das bases internas. A área de compliance deve trabalhar de forma integrada com TI, jurídico e áreas de negócio.
  • Testar pilotos: Começar com projetos de pequeno escopo para validar os modelos. Por exemplo, usar IA para detectar indícios de fraude em contas a pagar ou para medir tendências em litígios trabalhistas regionais.
  • Estabelecer políticas de governança: Definir comitês para revisar algoritmos, mitigar vieses e assegurar conformidade com a LGPD. A transparência é fundamental para que os resultados dos modelos sejam aceitos por colaboradores e autoridades.
  • Buscar parcerias: Universidades como a UFMG e empresas de tecnologia locais podem auxiliar no desenvolvimento de soluções customizadas. Organizações empresariais podem contratar especialistas em jurimetria para capacitar departamentos jurídicos.

Considerações finais

O compliance preditivo representa uma evolução natural dos programas de conformidade, saindo do papel de mera reação a irregularidades para um estado proativo e estratégico. A inteligência artificial e a jurimetria possibilitam essa transformação ao permitir a antecipação de riscos e a tomada de decisão baseada em evidências. Entretanto, para que essa inovação gere valor de maneira sustentável, é essencial incorporar princípios de governança de dados, mitigar vieses e alinhar a tecnologia ao contexto regulatório brasileiro. Para empresas de Belo Horizonte e do restante do país, investir em compliance preditivo é uma oportunidade de fortalecer a reputação, evitar multas e perdas financeiras e se posicionar à frente em um mercado cada vez mais competitivo.

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